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Até sempre, eterno compadre

 

O compadre Durval Marques deixou-nos a 26 de maio de 2018. Faleceu no Porto, onde residia com a família, e o último adeus foi feito no dia 29, na Igreja Matriz de Paços de Brandão, de onde era natural. Mas, na verdade, o compadre Durval Marques não nos deixou. Porque o legado que construiu continua a viver nas 59 Academias do Bacalhau, nos milhares de compadres em quatro continentes e nas obras filantrópicas que impulsionou ao longo de toda a sua vida. O compadre Durval Marques não nos deixou porque o compadre Durval Marques é imortal. 

Nasceu a 14 de outubro de 1933, em casa dos pais, em Paços de Brandão. Estudou na Escola Primária local e depois ingressou na Escola Académica do Porto, de onde guardou sempre as melhores memórias. O ensino superior, fê-lo na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde se embrenhou na vida académica e se tornou membro do Orfeão Universitário do Porto. 

 

Contava com fervor a história de como, durante o seu tempo no Orfeão, o grupo conseguiu representar o país internacionalmente, uma honra que até então cabia apenas à Universidade de Coimbra. E foi precisamente numa dessas viagens, a Angola, que Durval pisou pela primeira vez o solo africano e imediatamente se apaixonou. Mas regressou a Portugal, completou os estudos e, já a trabalhar, recebeu uma proposta de emprego em Luanda. Aceitou. Deixou o pai e o irmão e qualquer expetativa que o pai acalentasse de, um dia, ver Durval juntar-se ao negócio de família, uma fábrica de papel.

 

Durval rumou a Angola e por lá ficou cerca de dois anos, até que lhe solicitaram que se deslocasse à África do Sul para fazer um estudo de viabilidade para a abertura de um novo banco, que mais tarde seria o Bank of Lisbon and South Africa Limited. Durval achou que iria para a África do Sul durante uns meses. Passaram-se quarenta anos. 

Desenvolveu uma carreira de excelência no Bank of Lisbon e tornou-se o mais jovem CEO de um banco na África do Sul. Por motivos profissionais, estava presente regularmente nos eventos da comunidade portuguesa naquele país e, aos poucos, foi estabelecendo uma extensa rede de contatos e reconhecimento por parte da comunidade. Mas a ligação aos outros não era uma questão de trabalho para Durval, que estava sempre disponível para conhecer e dar-se a conhecer, para fazer novos amigos, que lhe enchiam a casa e a vida.

 

Foi num dos muitos eventos a que ia na África do Sul que conheceu a mulher que lhe roubou o coração, Carol. Casaram-se uns anos mais tarde e tiveram duas filhas, Nicole e Ivana.

 

Durval manteve sempre uma atividade intensa a nível associativo. Foi presidente do Lusitano Futebol Clube, administrador da rádio e televisão portuguesas na África do Sul, presidente do Luso South Africa Benefit Trust, representante da Associação Empresarial Portuguesa e membro do Institute of Directors in Southern Africa. 

Mas a expressão maior do seu legado associativo foi, sem dúvida, a Academia do Bacalhau. Em 1968, pouco depois da sua chegada à África do Sul, reuniu-se com três amigos - Rui Pericão, Ivo Cordeiro e José Ataíde – para um jantar realizado no hotel Moulin Rouge, em Hillbrow. Foi o primeiro jantar da Academia do Bacalhau que, na altura, tinha apenas a ambição de ser um grupo de amigos portugueses reunidos com o objetivo de melhorar a imagem dos portugueses naquele país e de contribuir para o bem-estar da comunidade. Teve um sucesso tal que, a 10 de junho desse ano, a Academia do Bacalhau realizou o seu primeiro jantar oficial, comemorando também, pela primeira vez, o Dia de Portugal na África do Sul.

 

O que o compadre Durval Marques não sabia quando teve a ideia de convidar uns amigos para um jantar é que, com esse simples gesto, estaria a criar as bases daquele que se tornaria o maior movimento associativo da diáspora portuguesa. Cerca de um ano depois, criou-se a segunda Academia do Bacalhau, em Durban e, nesse mesmo mês, foi também inaugurada a primeira Academia fora da África do Sul – em Mbabane, na Suazilândia. O movimento continuou a espalhar-se, pela Europa, América do Sul, América do Norte e Oceânia. A 10 de março de 1997, outro marco importante na história das Academias: foi oficializada a tertúlia de Caracas, na Venezuela, a primeira na América do Sul. O movimento das Academias chegaria a América do Norte no ano seguinte quando foi oficializada a Academia do Bacalhau de Toronto. Nesse mesmo ano, foi oficializada também a Academia do Bacalhau de Paris, a primeira na Europa fora de Portugal. O movimento alcançou quatro continentes com a abertura da Academia do Bacalhau de Perth, a 5 de março de 2011.

 

Cada vez que era inaugurada uma nova Academia do Bacalhau, o compadre Durval Marques tentava estar presente. Sempre que podia, viajava para os Congressos anuais também. Mesmo com o avançar da idade, só não marcava presença se a saúde não lhe permitisse mesmo. E em cada evento em que estava, sentia-se entre amigos. Porque, no fundo, a Academia do Bacalhau é mesmo isso, um grande grupo de amigos. E na sua pacatez e com um sorriso simpático, ia distribuindo abraços e palavras de sabedoria sobre este movimento que era um dos maiores amores da sua vida. Para muitos, o compadre Durval Marques era a personificação dos valores das Academias do Bacalhau. Mas ele não queria os holofotes sobre si. “Não sou eu, somos todos nós, é o grupo”, dizia sempre.

 

Como reconhecimento pelo seu extenso e impactante legado na Academia de Joanesburgo, Durval Marques foi nomeado “Compadre Honorário de Todas as Academias”. A decisão sobre esta nomeação foi feita no XIV Congresso Mundial, em Manzini, na Suazilândia. Aproveitando o facto de Durval não estar presente nos trabalhos da manhã por compromissos profissionais, os compadres reunidos apresentaram a proposta e aprovaram-na, comunicando ao compadre fundador o seu novo estatuto quando ele chegou ao Congresso, da parte da tarde.

Mas para o compadre Durval, o reconhecimento dos seus feitos não tinha grande importância. O que o fazia vibrar era a possibilidade de ajudar quem mais precisava. Será impossível calcular o número de vidas que tocou e que ajudou a melhorar ao longo dos seus 84 anos, ao longo de uma vida inteira ao serviço dos outros. E mesmo depois de deixar este mundo, a sua filantropia continua a fazer-se sentir: deixou um último apelo a todas as Academias – que não enviassem coroas de flores para o seu funeral mas que direcionassem esses fundos para a Academia-Mãe, de maneira a ajudar os residentes do Lar de Idosos Rainha Santa Isabel, em Joanesburgo, instituição que ajudou a criar e que lhe era extremamente querida.

 

O compadre Durval Marques passou uma vida inteira a fazer o bem. Aos compadres e comadres resta agora uma tarefa: honrar o seu legado. 

 

E porque ele quereria ouvir de todos nós estas palavras com toda a força, aqui ficam: Um Gavião de Penacho, caro compadre Durval! Até sempre.